Se você acredita no que fala, precisa falar para todo mundo, não apenas para quem concorda com você; do contrário, cai no senso comum e não sai do lugar onde se está. É este o pensamento do rapper Emicida, o mesmo que é compartilhado por outros rappers, como Criolo e Flora Matos. Ao cantar sobre temas que vão além da realidade na favela, eles levaram o rap – até então considerado um som de periferia – a ambientes que antes não eram comuns ao gênero. “Nós ficamos mó (sic) tempão falando pra nós (da comunidade). Chegou o momento de mostrar a cara”, resume Leandro Roque de Oliveira, conhecido no meio artístico por Emicida, nome originado da fusão das palavras MC e homicida, por causa de suas constantes vitórias nas batalhas de improvisação.
A música Não existe amor em SP, que integra o álbum Nó na orelha, do cantor e compositor Criolo, talvez seja a mais perfeita tradução do novo momento do rap nacional. “São Paulo é um buquê/ Buquês são flores mortas/ Num lindo arranjo/ Arranjo lindo feito pra você”, poetiza o músico de 35 anos de idade e 20 de carreira, nos versos que retratam a solidão na metrópole. Seu segundo trabalho – o primeiro, intitulado Ainda há tempo (esgotado), foi lançado em 2006 – é sucesso de crítica e recebeu elogios até de Caetano Veloso, com quem o autor dividiu o palco no Vídeo Music Brasil (VMB), em outubro passado.
Para Marcelo Cabral, que ao lado de Daniel Ganjaman produziu Nó na orelha, lançado em maio deste ano, o sucesso do gênero musical deve-se à identificação do público com as letras. “O foco foi tirado de um gueto e expandido para os sentimentos e comportamentos humanos, e para os detalhes da vida cotidiana. As pessoas se reconhecem naquilo que ouvem”, sintetiza.
No palco
A democratização do rap fica ainda mais evidente quando se assiste a um show destes artistas. Brancos e negros, ricos e pobres dividem o mesmo espaço. As diferenças, independentemente de persistirem ou não no intervalo de tempo que dura o espetáculo, desaparecem com o erguer de mãos em direção ao palco, onde os rappers dialogam por meio de versos e rimas.
O rap é direto, agressivo, sem ser assustador. Chega dando a sua mensagem como se fossem dois pés no peito; aí, quando o sujeito percebe, já está completamente envolvido com a batida e a letra, e todo o resto é apenas resto”, explica o produtor musical Marcelo Cabral sobre a união de diferentes tribos através da música.
Há quem diga que o sucesso fora do meio no qual o gênero surgiu tenha causado conflito com os antigos e fiéis fãs do rap. “Isso não acontece. A periferia assimila bem qualquer outro tipo de pessoa. As outras é que não assimilam a periferia. Alcançar isso, para nós, é fundamental. Quando reunimos gente de todas as cores, de todos os lugares, aí, sim estamos falando de uma verdadeira construção”, analisa Emicida.
Cabral confessa que, durante a produção do álbum de Criolo, a equipe chegou a ficar com a pulga atrás da orelha quanto à possibilidade de exclusão do público da periferia diante de um trabalho que também vai ao encontro de outras realidades. “Mas o trabalho foi bem aceito por todos. Ninguém virou a cara. Além do que, por mais inovações que sejam feitas, o rap sempre será um papo de quebrada”, garante.
Brasilidade no ritmo
Além das letras, as mudanças na forma de fazer rap também são percebidas na produção musical. Se antes bastava um DJ e um MC, a nova safra de artistas introduziu nos arranjos instrumentos que vão desde o cavaquinho e os tambores até a bateria e o piano. “Estamos em 2011, uma época em que ninguém renega nada quando se trata de arte. Ouvimos diferentes estilos todos os dias. Temos essas referências. Se uma coisa não exclui a outra, por que não agrupá-las?”, questiona Cabral.
Embora não seja de fato novidade, esta aproximação do som de Emicida e de outros rappers
com gêneros distintos da música brasileira deu início a uma nova era para o gênero – o músico Marcelo D2, por exemplo, já tinha feito isso em 2004, no álbum À procura da batida perfeita (esgotado). As composições misturam o rap a ritmos como reggae, samba e rock. “Me inspiro em artistas como Maria Bethânia, Caetano Veloso e Cartola. Na minha música, se ouvem o cavaco do Benito de Paula e o tambor de Dorival Caymmi. Fiz isso não para levantar a bandeira da brasilidade, mas porque esses sons fazem parte do meu cotidiano e da minha formação. Do contrário, fosse um som fabricado, ficaria publicitário demais”, declara Emicida.
com gêneros distintos da música brasileira deu início a uma nova era para o gênero – o músico Marcelo D2, por exemplo, já tinha feito isso em 2004, no álbum À procura da batida perfeita (esgotado). As composições misturam o rap a ritmos como reggae, samba e rock. “Me inspiro em artistas como Maria Bethânia, Caetano Veloso e Cartola. Na minha música, se ouvem o cavaco do Benito de Paula e o tambor de Dorival Caymmi. Fiz isso não para levantar a bandeira da brasilidade, mas porque esses sons fazem parte do meu cotidiano e da minha formação. Do contrário, fosse um som fabricado, ficaria publicitário demais”, declara Emicida.
Novos artistas
Os casos de sucesso no rap nacional não são exceções e tem muita gente jovem seguindo o embalo daqueles mais consolidados na cena. Que diga a MC Flora Matos, de apenas 22 anos e com uma turnê internacional na bagagem. Em 2008 e com apenas 19 anos na época, ela passou por cidades da França, Portugal e Itália. Autora de hits como Pai de família, ela já participou do álbum Projeto paralelo, da banda NxZero.
Para o produtor musical Marcelo Cabral, há ainda muitos talentos que, no entanto, não são reconhecidos. “Sem gravadora e espaço para divulgação, fica difícil”, lamenta. Mudar esse cenário, ainda de acordo com ele, depende do investimento de empresários e espaços culturais na gravação e promoção do trabalho dos nomes ainda em início de carreira.
Assim como a fama alcançada na década de 1980 por MC Thaíde (cantando em parceria com o DJ Hum) abriu caminho para outros artistas, o mesmo acontece agora. Os iniciantes Kamau, Pentágono, Lourdes Maria e Rashid seguem, por exemplo, os passos dos novos astros do rap. Embora em menor proporção, eles também ganharam notoriedade com a ascensão do gênero. “Temos, agora, a responsabilidade de conservar o espaço que esses ídolos abriram para a nossa geração e de mantê-lo para os outros que virão atrás da gente”, declara Michel Dias, 23 anos, e conhecido pelo pseudônimo Rashid.
Ele faz música desde os 12 anos, mas foi apenas em 2010 que conseguiu gravar o seu primeiro EP, Hora de acordar. As vendas, no início de mão em mão e depois em lojas segmentadas, alcançaram 4 mil cópias, marca considerável para o trabalho independente de um nome desconhecido do grande público. Embora poucos meses tenham se passado, de lá pra cá o mercado cresceu. “Lancei minha mixtape em junho deste ano, e graças a Deus já foram vendidas 3 mil unidades”, conta ele, que tem a meta de triplicar os números até o fim do ano.
Para esses nomes do cenário independente, a internet ainda é a principal ferramenta de divulgação. Juntos, Emicida e Criolo contam mais de 200 mil fãs e seguidores nas redes sociais Facebook e Twitter. “Hoje, todos os artistas precisam promover seu trabalho nesses canais, mas nós principalmente, porque não somos reconhecidos pelas grandes rádios e pelos canais de TV”, justifica Emicida, parecendo ainda não ter assimilado totalmente a sua nova realidade, que inclui a apresentação de dois programas televisivos em rede nacional.
FONTE : REVISTA DA CULTURA
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